terça-feira, 18 de julho de 2017

«O olhar da mente: um caso do inspector Van Veeteren» de Hakan Nesser :: Opinião




Nesser pode ser o mestre do suspense, mas eu sempre soube quem era o assassínio!

No entanto, nem isso me tirou o entusiasmo de ler e continuar a mergulhar de cabeça neste enredo bastante bem conseguido. O livro remonta a 1993, o que é interessante de avaliar já que tecnologias e brilhantismo modernos não fazem parte das formas de resolver o crime, o que facilmente faz parecer um livro de uma época longuínqua, especialmente quando o narrador é irónico e hilariante com coisas tão simples como uma mosca varejeira a pairar sobre um julgamento. Não diminuindo em nada a qualidade da escrita do autor, antes pelo contrário, contribui bastante para apegar o leitor ao ambiente que se vai criando, mais sombrio, mais afunilado e acusador, criticando aqui e ali e sempre com um toque de humor que balança com a personagem de Van Veeteren, cáustico, critico e até gozão.

"A sala de audiência estava completamente cheia, não sobrava um único lugar sentado. (...)
Mitter ficou bastante surpreendido pela assistência ser tão numerosa e contou, pelo menos, uns dez jornalistas. (...)
Também havia uma mosca varejeira. Passou a maior parte do tempo no tecto, directamente acima da secretária do procurador, embora de vez em quando desse voltas à sala e quase sempre visasse uma das duas juradas (...) Os seus raides eram acompanhados por um zumbido rouco, que fazia um contraste agradável com a voz algo esganiçada do procurador. (...)
À excepção disto, os acontecimentos do dia foram quase sempre bastante entediantes."

Van Veeteren é um inspector carregado de sarcasmo e dono de pouca paciência. Um touro, como ele próprio se imagina, nos sonhos que o perseguem. Um touro já velho e lento que se amansa ao som de música clássica andaluz e Bach, a banda sonora que o acompanha tanto nas idas à casa de banho como quando faz incursões no terreno, tentando que alguma beleza o separe da bruta realidade.

"Sozinho ao volante, com Julian Bream e Francisco Tárrega a escoarem-lhe nos ouvidos, a paisagem árida a servir de barreira e de filtro entre ele e a realidade demasiado incomodativa (...) A manhã, escura e nevoente, foi melhorando com a passagem das horas, mas as nuvens escuras e de chuva não chegaram a desaparecer (...)"

A geografia e as sua identidade bastante marcada contribuem tanto para o cenário que emoldura o crime, como para o humor que pauta os diálogos entre o inspector e seus companheiros de esquadra. A escrita de Nesser molda de forma peculiar este género literário, onde uma escrita simples e uma leitura veloz costuma ser o que o leitor encontra, mas aqui há mais, há mais camadas para descobrir e um humor carregado numa personagem que podia assumir traços de detestável.

*

Uma excelente aposta da TOPSELLER, mais um autor muito bem escolhido.

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