terça-feira, 8 de outubro de 2013

«Nada a Dizer» de Elvira Vigna - Opinião



Junte um casal, um tanto alternativos, um tanto urbanos na sua maneira de ser, entenda-se liberais, autónomos, individualistas e um pouco, talvez, só talvez um pouco, frios. Junte ainda uma mudança, um vida abastada, socialmente interessante, viagens, filhos, supostamente independentes e trabalho. Falta ainda, a bagagem de mais de 60 anos de vida e quase trinta de vida conjugal, algumas revoluções políticas acalentando a relação e o sonho comum. Porém, falta ainda a parte verdadeiramente quente, uma mulher mais nova, noutra cidade, 20 anos de fosso geracional e uma sumptuosa paixão, ou não!

A narradora e personagem principal é a mulher traída. Paulo é o traidor. N. é a mulher procurada e desejada, o motor de todas as transformações que ocorrem e são narradas.
Creio que a proeza do livro reside no facto de ser tudo descrito com tamanha frieza e distanciamento que pode revelar-se como a história pessoal de qualquer um de nós, embora desconfiemos sempre tratar-se de um excerto de vida da autora, agora transportado para o papel e para o público e logo catártico.

Se assim for, compreende-se o relato cru, quase a preto e branco, meramente revelador dos factos, quase como se fizesse um registo cronológico para mais tarde não esquecer esta fase da vida. É brilhante a forma, limpa e sem histerismo com que constata a traição, embora se afirme destruída.

"Nessa noite que durou dois dias, em que Paulo me contou do seu caso com N. e, de sobremesa, da origem do chato nordestino, eu desmoronei, eu inteira - e não só minhas opiniões, atitudes e posições. Desmoronei. Eu não mais existia. 
Eu não esperava que isso fosse possível

A auto comiseração é comedida, como se o relato, o acto de escrever assumisse o papel de divã. Escrevendo e deixando a sua mágoa, perdendo a piedade por si mesma ou a sua condição de mulher traída. É com humor, mesmo que negro e sarcástico que enfrenta os dias, minimizando os riscos emocionais e combatendo o sentimento de vítima.

Um livro que relata com frieza a realidade dura e destrutiva do adultério, em como nos construímos como casal, na domesticação do "eu" para o "nós" e como é tão difícil depois aprender a praticar o desapego e o esquecimento. É o reconstruir tudo de novo, "nós", já como um "eu" sozinho, mas composto, com toda a herança de um relacionamento falhado.

Enfim, um romance com pouco romance, mas com páginas e páginas para leitura nas entrelinhas, naquelas em que cada um de nós se revê na nossa própria história.

Para terminar, da herança do Brasil, deixo, "Eu te amo" de Tom Jobin, na voz de Chico Buarque, referida pela autora e que resume muito bem a mensagem do livro e uma outra, na voz do Caetano, que é o meu acrescento à temática do livro.




Este primeiro romance de Elvira Vigna foi publicado em Portugal pela mão da QUETZAL. Esperam-se os próximos!

Boas Leituras.

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