quinta-feira, 29 de outubro de 2015

«Vai e põe uma sentinela» de Harper Lee - Opinião


Uma edição Editorial Presença.


Todo o emblemático sentimento em relação à leitura do anterior, mas efectivamente posterior «Mataram a Cotovia» não me influenciou totalmente para a leitura deste «Vai e põe uma sentinela», por um lado, por ainda não o ter lido, mas por outro influenciou, devido ao quanto já li sobre o enredo, os seus personagens e a força da história. Perante a leitura deste, esperava um enredo, um mistério (devido aos segredos) muito maior e até muito mais envolvente para o leitor, deixou-me na mesma com muita curiosidade pelo primeiro, para saber essencialmente mais sobre a história e a infância e de Scout e também pelos personagens que são o pai e o tio e o lado mais forte de como a educaram.

Polémicas à parte, entre este e o livro anterior ou o quanto um influencia o outro ou até ao próprio leitor, a prosa de Harper Lee é bastante bem conseguida e flui com considerável leveza mesmo quando toca em aspectos como Política, História e Religião, aliás ganha ainda mais velocidade e impacto quando aborda tais assuntos e revela aspectos que caracterizam as personagem, a família e a cidade onde se inserem e uma contextualização da sociedade sulista da década de cinquenta. Está cá tudo. Os resquícios que ainda se sentem dos tempos de escravatura, a segregação e a discriminação, o impacto das políticas mais humanistas e a opinião e tradição vinda da igreja nas suas diversas formas... mas também estão as diferenças e as quezílias entre famílias e o peso de um sobrenome, bem como o papel que é esperado da mulher e a sua respectiva educação. Tudo ainda muito tacanho e tradicionalista, em confronto com as vivências de Jean Louise em Nova Iorque, ainda assim, sente-se o saudosismo aquando da sua volta a estas terras.

«Vai em põe uma sentinela» é um retrato da sociedade da época pelos olhos de uma menina-mulher, que tal como a imagem inicial, a de alguém que se aproxima de comboio, se vai desenvolvendo e analisando a acção, nesse analogia de chegar mais perto das coisas. Há, primeiramente, uma análise como um todo, menos detalhada e mais ao sabor da nostalgia das memórias, para depois, passo a passo, se ir aproximando e vendo com maior relevância as alterações que os anos foram trazendo, tanto a Maycomb, como à família e a si própria.

"A ilha de cada um de nós, Jean Louise, a sentinela de cada um é a sua consciência. A consciência colectiva, tal coisa não existe."

É em conversa com o tio, Dr. Finch que esta consideração surge e faz a ponte com outras "tomadas de consciência" ao longo da história. No entanto, fico na dúvida se esta ideia da consciência, bem como da própria analogia com a sentinela e o seu sentido, não irão ligar e beber na outra perspectiva da história em «Mataram a Cotovia»!? 
Para além  desta, o livro levanta outras questões, desde morais a políticas e a ideologias que pedem ligação à história da Guerra de Secessão. Já para não falar do próprio lado de tradição e educação familiar e social da época, se bem que a temática das questões raciais está, constantemente, na ordem do dia, mas não sei se este livro se torna assim tão essencial ao entendimento do nosso mundo actual.

Fiquei com curiosidade de ir perceber mais sobre Scout e a sua personalidade intempestiva, mas doce, meio revoltosa para a época, mas inocente e claro a sua adoração pelo pai, que se continua a sentir neste livro. Aliás o fim deixa isso bem claro. A idade adulta traz-nos escolhas e entendimentos que quando toldados pelas ilusões de criança não compreendemos. A ideia de podermos estar nos sítios errados, ou que parecem errados, para poder fazer escolhas mais acertadas, nem sempre é fácil de aceitar.
A impulsividade de Scout chega a ser por vezes contestada, mas isso faz com que a história ganhe algum mistério como se estivessem segredos obscuros na calha... a pedirem para serem descobertos. 
Creio que o livro tem um enredo circular e fechado nele mesmo, nele e no outro, provavelmente. Do início só não gostei tanto de um certo controlo das emoções, de um lado mais lamechas, quase como uma história banal de mais uma citadina que volta irreverente à terra natal, mas talvez até isso, seja propositado na escrita de Harper Lee e sirva também para caracterizar a maria rapaz que ainda resiste em Scout.

Durante a leitura recordei bastante dois filmes, As Serviçais e Selma. Será que podemos contar com uma adaptação cinematográfica deste livro? Ou quem sabe de ambos.


Uma leitura com o apoio:

1 comentário :

Anónimo disse...

Oi!
Li suas considerações sobre o livro e fiquei encantada. Parabéns pelas colocações brilhantes. Sucesso sempre!!
Nilsa